O declínio da experiência e a importância da crítica

Quando eu estava na Universidade cursando a Licenciatura em Filosofia, tínhamos uma disciplina que era ministrada por dois professores que se alternavam a cada semestre. Um só falava de Benjamin, o outro, de Heidegger. Eu fiz a tal disciplina no modo Benjamin, e foi uma boa surpresa. Conheci ali um autor contemporâneo que, primeiro, não era impossível de ler e, segundo, tinha um apreço realmente gigante pela arte e pela forma como arte nos afeta, modificando nossa forma de entender e sentir a realidade. Heidegger, eu descobri depois, também tinha uma perspectiva poética na escrita (principalmente nos últimos textos), mas sinto até hoje que ele é um autor que pensa em voz alta no lugar de dialogar com o leitor. Benjamin não; ali eu reconheci o que mais admiro em qualquer escritor: a capacidade de se aproximar de quem lê.

Walter Benjamin é conhecido como aquele que, dentre os pesquisadores da escola de Frankfurt, era um dos menos pessimistas. Enquanto Adorno e Horkheimer apostavam na dissolução do modo de produção capitalista para salvaguardar alguma possibilidade de uma arte séria, Benjamin — mais conectado à realidade inevitável que o cercava — via na reprodutibilidade e nos meios de comunicação de massa um caminho possível para o encontro com o conhecimento por meio da cultura. Claro, cabia ainda falar de ressignificação de determinados conceitos, a confusão entre valor cultural e valor econômico, a perda da aura, a inevitável crise da experiência. Mas, mesmo assim, o acesso às obras de arte por meio da reprodutibilidade e os experimentos estéticos modernos (até aqueles feitos no contexto das artes sem aura, como é o caso do cinema) levavam Benjamin a acreditar que a atrofia da experiência não era o nosso único destino.

Infelizmente, e o próprio Benjamin vai observar isso depois, a modernidade insere no mundo uma marca de cansaço e descaso que é difícil de limpar. Assim, a reprodutibilidade não só não promove a possibilidade de uma emancipação pela crítica da arte e da cultura, como a própria ideia de crítica começa, pouco a pouco, a se tornar inviável. Diante do fato de que a cultura praticamente se reduziu ao valor de troca, não é a crítica que comove o espectador, mas a publicidade. Num mundo assim, ficamos submissos às ordens do mercado, e trocamos o deslumbre com a arte pela sonho da comunicação rápida, efetiva e prazerosa. Quanto disso é sonho (manipulado pelas condições de produção da cultura massificada) ou realidade? Já é difícil saber. De qualquer forma, o que nos sobra parece, contraditoriamente, muito e pouco, dependendo do aspecto que queremos ver.

A arte, por meio de sua condição alegórica, reflete mais do que o passado 1, nos impulsiona para o futuro, dando significado ao emaranhado de coisas que chamamos de existência. E é aí que a assimilação da cultura pela comunicação é mais danosa: perdemos a capacidade de julgar, de estabelecer relações, porque tudo vem pronto, bem definido, delineado ao ponto de acreditarmos que o erro (no caso da dúvida ou do desencontro) é do artista, que não soube comunicar com destreza aquilo que tentou dizer. Tudo publicidade, tudo resolução, declínio da experiência.

Foto por Gisèle Freund (Walter Benjamin na Biblioteca Nacional de Paris, 1937)
  1. Cabe lembrar aqui o bonito ensaio de Benjamin sobre Paul Klee, onde o filósofo vê em Angelus Novus o símbolo da própria história e de nossa esperança (quase fadada ao fracasso) na ideia de progresso. 

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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