Treino de basquete, 1995
Essa história que conto aqui aconteceu quase assim, mas não exatamente. Mudei os nomes e os detalhes. No mais, bem que poderia ter sido.
Sábado à tarde. Fui ao supermercado comprar laranjas, tangerina, melão, pão, presunto e queijo. Tirando o melão, que estava caro, comprei tudo da lista e estava voltando pra casa, quando uma pessoa que andava na minha frente parou e disse:
– Ei, cara. Tudo bem? Posso te fazer uma pergunta?
– Claro.
– Você jogou basquete no Marista?
– Nossa. Sim, você estudou lá também? (E agora, não lembro dele)
– Estudei. Eu jogava na mesma época.
– Puxa, desculpa. Não tô lembrando de ti. (Acho que é melhor falar logo a verdade)
– Sem problema. Faz tanto tempo, né? E eu era de uma turma antes da sua. Imaginei que você não ia lembrar mesmo. Lembra do Leonardo?
– Leonardo?
– É, ele jogava contigo. Era da tua turma. A gente chamava ele de “perninha”; corria engraçado.
– Acho que lembro sim. (Meu Deus, Leonardo?)
– Tu ainda usa cabelo comprido. Tá igualzinho. Lembro que tu gostava de rock. Ainda escuta?
– Sim. O tempo todo.
– Aliás, meu nome é Antônio.
– O meu é Marcos.
– E tu faz o quê, agora?
– Sou professor. E você?
– Eu tenho um lava jato. Bem ali, na outra rua.
– Sério? Que bacana. Já levei o carro pra lavar lá.
– Pronto. Então, na próxima fica por conta da casa. Pelos velhos tempos.
– Poxa. Não precisava. Valeu mesmo.
Engraçado isso de encontrar outras pessoas da época da escola. A memória trai a gente, faz a gente parecer que era outra pessoa. O supermercado era perto do meu prédio. Então, seguimos mais uns passos tentando, sem muito sucesso, resgatar os nomes do pessoal do time. Daí eu falei:
– Vou entrar nessa rua aqui, que o meu prédio é aquele lá no final.
– Tranquilo. Prazer te ver, viu? Manda um abraço para a professora Carmem.
– Abraço pra Carmem? (Quem é Carmem?)
– Ah, não. Vai me dizer que sua mãe já faleceu?
– Não, não. Minha mãe tá viva. Mas ela não se chama Carmem.
– Claro que chama. Isso eu lembro direitinho, porque ela era minha professora de português e ficava te esperando depois do treino. Às vezes levava até pão de queijo pra gente.
– Não. Agora acho que você tá confundindo.
– Mas não é possível. Você não lembra do Leonardo?
– Acho que sim. (Ou será que era Leandro?)
– Peraí, você estudou no Marista da Asa Sul, não foi?
– Não. Eu estudei no Marista em São Luís, Maranhão.
– Eu nunca fui ao Maranhão.
– Entendi…
– Bem, foi engano. Acontece. Deixa eu seguir aqui.
– Tá certo. Falou.
Que coisa bizarra. Eu achando que só eu não lembrava dele. Mas no final, foi ele quem puxou assunto com um estranho que nunca viu na vida. O tempo é implacável com a gente. Não só porque a gente envelhece, mas porque acabamos esquecendo até de quem somos. Ele já tinha se afastado uns três metros, quando eu lembrei de uma coisa:
– Antônio?
– Sim?
– E aquela lavagem no carro?
– 50 reais. Sem cera.
Marcos Ramon
Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | ArquivoRelacionados
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