A ausência da memória

No episódio de hoje do meu podcast eu falei sobre memória, e algo que sempre relaciono com esse tema é a infância. Quando crianças temos uma vontade, que é quase universal entre os pequenos, de nos tornarmos adultos. É bem provável que a maioria das crianças pense sobre isso em algum momento: como seria bom ser adulto, e fazer o que eu quiser e me sentir livre etc. Depois crescemos e, você sabe, o processo se inverte. Nós, adultos, acabamos desejando a infância, época da real liberdade, das poucas preocupações, da felicidade verdadeira.

Contraditoriamente, acabo achando o sonho das crianças mais real e positivo. A infância é lembrada como uma época mágica só porque não recordamos como era realmente ser criança. O que lembramos, pense bem, é muito pouco, só o suficiente para acreditarmos na história da felicidade que nós mesmos inventamos. Não é fácil esquecer tanto, e se a natureza nos permitiu isso foi por algum motivo.

A infância possui inúmeros aspectos bons, mas a felicidade plena é o mais irreal e improvável de todos. Criança sofre, como todo mundo sofre, e pais e mães percebem isso mesmo que não queiram. No final, a capacidade de esquecer é uma proteção; não contra os outros, mas contra nós mesmos. É a ausência da memória que nos permite insistir em viver.

Colagem de Julia Gleiser