Ser si mesmo
Quando eu estava no Mestrado (UFMA, Cultura e Sociedade, 2010/2011) eu fiz uma disciplina chamada “Corpo e Sociedade” e nela nós lemos dois textos do sociólogo francês David Le Breton: “Adeus ao corpo” e “Sociologia do corpo”. Neles Le Breton discute a condição moderna do corpo e como nos relacionamos com os outros e com nós mesmos, diante das exigências da atualidade, da tecnociência e dos meios de comunicação.
Em um livro mais recente, “Desaparecer de si: uma tentação contemporânea”, Le Breton fala, um pouco na contramão do que abordo aqui, de um momento em que perdemos vontade diante das coisas e dos outros. Apesar das condições de vida melhores em relação às gerações anteriores, acaba ocorrendo algo contraditório: em uma época com tanta formas de exposição e presença, passa a vigorar o desejo de sumir, de “desaparecer de si”. Parte disso já foi tratado por Freud em “O mal-estar na civilização”, que analisa o tédio da modernidade e as implicações de vivermos em uma época com tanta informação, tanta técnica, tanto de nós mesmos. Mas Le Breton avança na análise de nossa época, uma continuidade do século vivido por Freud, mas ainda assim diferente o suficiente para nos sentirmos perdidos, mesmo com a literatura disponível sobre a atualidade.
É um peso gigante viver tendo que ser alguém que precisa ser visto e não consegue se esconder. Como afirma Le Breton:
Em uma sociedade onde se impõem a flexibilidade, a urgência, a agilidade, a concorrência, a eficácia etc., ser si mesmo já não é algo evidente visto que a todo instante urge expor-se ao mundo, adaptar-se às circunstâncias, assumir sua autonomia, estar à altura dos acontecimentos. (David Le Breton, em “Desaparecer de si: uma tentação contemporânea”)
Em um mundo complexo como o nosso as identidades que assumimos (e desse jeito mesmo, no plural), nos pesam mais do que aliviam. Poder ser um, poder ser alguém vivendo apenas sua própria vida e a dos seus é um privilégio que hoje existe para poucos. E - mundo estranho, esse - não é isso algo que se conquiste, mas algo que se deixa de ter. O normal é ser muitos, e sofrer com todos que habitam sua vida. E, nesse contexto, ser esquecido e conseguir desaparecer de si é quase uma benção.
Marcos Ramon
Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | ArquivoRelacionados
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