A vida social é um embate constante. E como se trata de um confronto, sempre existe algo que é destruído, algo que fica pra trás. Às vezes, o que sobrevive ao confronto é tão bom e positivo que esquecemos dos destroços; mas na maior parte das vezes é preciso recuperar, consertar alguma coisa, porque precisamos, porque temos saudades, porque temos vontade.
Richard Sennett, no livro Juntos, estabelece uma analogia entre a vida social e os trabalhos manuais. Nessa analogia, dentre diversas questões, aparece também o tema do conserto (ele trata disso no sétimo capítulo). De acordo com Sennett, procedemos de três maneiras quando queremos consertar alguma coisa: podemos fazer uma restauração para fazer com que aquilo que foi quebrado pareça novo; podemos fazer uma retificação, melhorando o funcionamento de algo; ou podemos realizar uma reconfiguração, alterando completamente a natureza do que desejamos consertar. A primeira forma é ritual, própria do restaurador que serve ao passado, buscando uma autenticidade que não pode ser perdida. A segunda está ligada ao presente, sendo uma ação pragmática, estratégica, voltada para uma resolução rápida e necessária: fazer algo funcionar. A última é mais difícil, porque depende da improvisação e da experimentação, alterando quase que completamente a natureza do que se busca consertar.
Se pensarmos em objetos, as duas primeiras serão mais recorrentes e a última é quase um disparate. Afinal, quem vai querer reconstruir algo completamente quando pode apenas voltar ao seu estado original? Mas quando pensamos na vida social, é a reconfiguração que é necessária, apesar de essa quase nunca ser a nossa opção, justamente pela analogia que fazemos com o mundo dos objetos. Diante do confronto que é a vida social, muitas coisas se perdem, como disse no início, mas aquilo que fica não precisa ser resgatado da maneira que era. É sempre melhor pensar novas estratégias, improvisar, arriscar. Se alguém quiser repensar a educação, as relações de trabalho ou os direitos sociais — entendendo que existe algo aí que precisa ser consertado — , será sempre preciso começar de novo, não basta restaurar o modelo anterior ou lutar pela manutenção do que existe.
Viver em sociedade é olhar para o futuro. E isso implica em ter um espírito menos empreendedor (que é objetivo, funcional) e mais artístico (aberto ao improviso). Nos mobilizamos socialmente quando estamos dispostos a mudanças, mas para isso é preciso uma coragem que é pouco estimulada. De qualquer forma, a coragem, como outras virtudes, é uma conquista e não um aval. Para consertar o mundo que temos e transmutá-lo no mundo que queremos não precisamos da aprovação de ninguém, mas de disposição e interesse. Não é fácil, mas é possível. E é isso que faz a vida ainda valer a pena.