Fazer sumir

Em 1953, Robert Rauschenberg, na época um artista de 28 anos começando suas explorações na iniciante pop art norte-americana, bateu na porta de Willem de Kooning — um pintor holandês, radicado nos Estados Unidos— e fez um pedido incomum: ele queria um desenho de De Kooning para apagar. Vale dizer que De Kooning, que tinha 49 anos quando ocorreu esse encontro, era já um artista renomado e respeitado por seus trabalhos abstratos.

Pelo que se sabe, De Kooning não gostou muito da ideia, mas decidiu apoiar o ímpeto do jovem artista lhe entregando um desenho em papel feito com crayon, lápis, carvão e um pouco de tinta a óleo. Rauschenberg levou o desenho para casa e lutou durante um mês até que, com o auxílio de nada mais que uma borracha, conseguiu apagar praticamente tudo. O resultado final foi esse:

Robert Rauschenberg, Erased de Kooning Drawing, 1953

O que existe de intrigante nesta obra — um paralelo curioso dos ready made de Duchamp — é o fato de que o trabalho do artista que assina a obra, se o considerarmos de maneira estrita, foi meramente apagar um processo criativo de outra pessoa. Contudo, vendo em perspectiva, podemos pensar esta intervenção de Rauschenberg não como um exercício dadaísta de destruição, mas sim como processo de construção de uma reflexão sobre o lugar da arte e de sua presença no mundo. Além disso, a obra traz a intrigante constatação de que um trabalho artístico não precisa ter como resultado, necessariamente, algo fascinante para se ver, mas pode simplesmente compartilhar um processo imerso em significados. E é por isso que podemos entender essa obra também como uma performance. É estranho, talvez, pensar nesse desenho apagado como uma performance e não como um produto estático, que é o que o desenho pendurado atualmente em uma parede do San Francisco Museum of Art efetivamente é. De qualquer forma, para mim, o que interessa aqui não é o resultado final, mas sim a batalha do artista que, com sua borracha surrada, arrancou do papel os rastros que insistiam em permanecer.

A crítica mais comum a esse tipo de proposta é a afirmação da banalidade da obra:

Isso eu também podia fazer!

E com esse tipo de afirmação o que se defende, de maneira velada, é a tese de que só é arte aquele tipo de esforço que ultrapassa as nossas próprias capacidades. Claro, uma pintura de Caravaggio nunca deve ser desmerecida — e quase ninguém vai conseguir fazer o que ele fez — , mas o que existe de vital em qualquer obra de arte nunca é apenas a técnica. A indignação que sentimos diante de obras como Branco sobre branco, de Malevich (1918) ou 4’33” de John Cage (1952) tem relação, eu acredito, com a ideia de que na arte, assim como em qualquer outro campo em que nos relacionamos com a criatividade, o que tendemos a valorizar é aquilo a que já estamos acostumados. O entretenimento molda nossos gostos, olhares e sentidos; e assim, de forma bruta e total, nos vemos acomodados em um mundo em que só existe espaço para o diálogo compreensível e palatável do produto de consumo. Encontrar o inesperado é sempre um risco, uma chance de nos perdermos em meio ao que sentimos; e quem quer ter que conviver com isso?

O desenho apagado de De Kooning não é uma grande obra técnica e nem um produto de entretenimento, mas ele nos tira da monotonia e da repetição, o que, por si só, já é um grande mérito de Rauschenberg. E isso não quer dizer que, no final de tudo, ele tivesse algo de importante para nos dizer apagando aquele desenho (e por que deveria?). Afinal, às vezes uma obra de arte é só uma obra de arte, sem mais.