Escrever um diário

Vi recentemente em uma newsletter do Austin Kleon, uma indicação para trechos dos diários do humorista e escritor David Sedaris. Gostei de ler esses trechos, pelo humor, simplicidade e fluidez das observações. Além disso, diários são sempre interessantes (pelo caráter proibido de uma leitura que não deveria ser de todos, mas também pelo simples fetiche de se sentir próximo de uma privacidade que não é a sua). Outra coisa que me chamou a atenção foi o método de composição do diário de Sedaris, que já denotava uma intenção de publicação por parte do autor, ou pelo menos me pareceu assim.

O procedimento dele era o seguinte: ele andava com um caderno durante o dia, no qual fazia anotações diversas sobre as coisas que julgava relevantes. Na manhã do dia seguinte ele digitava o texto do diário no computador, imprimia e colava manualmente em um de seus cadernos.

Dois dos diários de David Sedaris. Esses são de 1987.

Todo esse processo já se assemelha, ainda que de forma simplificada, a um processo editorial. Mesmo sendo feito dele para ele mesmo, a escrita desses diários guardava já algo de um processo de publicização. Os diários publicados por Sedaris datam do final dos anos 1970 pra frente, uma época de transição da cultura analógica para a digital. Hoje, os blogs — como esse que você está lendo agora — e os sites de redes sociais funcionam como um ponto de encontro para essas narrativas pessoais que se alinham com a estrutura dos diários. A diferença crucial, contudo, é que os diários antigos (incluindo os de David Sedaris) eram invariavelmente escritos de maneira privada. Ainda que fossem um dia publicados, um diário sempre era um tipo de produção solitária em que aquela pessoa que escrevia se debatia com suas ideias e pensamentos, sem a contestação dos outros, sem a mensuração do interesse alheio.

Hoje estamos em um mundo diferente. Se os blogs e o Twitter se assemelham um pouco à ideia de um diário nos relatos pessoais e na forma cotidiana de escrita, eles se afastam na publicidade imediata desses escritos. São textos escritos para si e para os outros simultaneamente; sem privacidade e, justamente por isso, com todas as preocupações do julgamento alheio, da possibilidade de se ver bem ou mal recebido pelos olhares e gostos de outras pessoas.

Diários não são mais um fetiche para a maior parte das pessoas. Quando temos tanto acesso a informações sobre a vida alheia (com depoimentos, vídeos e imagens), um texto talvez seja o que resguarde menos proximidade com a verdade. Isso não significa que ninguém mais queira escrever um diário. O meu filho, de 7 anos, está escrevendo um, mas a inspiração dele é bem específica: O Diário de um Zumbi do Minecraft. É um diário que ele escreve para ver publicado. Era esse também o caso de Sedaris? Parece que sim. E isso não diminui a beleza e o encanto de suas reflexões e comentários. A banalidade da vida está aí para todos nós. Saber olhar para ela e dar atenção aos seus detalhes é uma oportunidade que não deveríamos desperdiçar. Faça o seguinte: sem pensar muito, comece um diário.