A burocracia do cotidiano

A maioria das pessoas — e eu estou nesse grupo — trata a vida como um evento burocrático. Organizamos nossas tarefas, afazeres e desejos em torno de metas e propósitos, definimos uma ordem de prioridades e seguimos em busca dos melhores resultados: o melhor horário para praticar uma atividade física, a melhor alimentação, o melhor roteiro de viagem, os melhores encontros com os melhores amigos etc.

Assim, e meio sem perceber, vamos tornando a vida uma extensão do trabalho. E é por isso que fico sempre intrigado com as pessoas que comemoram a chegada da sexta-feira e lamentam a inevitabilidade do início da semana: não é tudo sempre a mesma coisa? Trabalhar, reclamar do cansaço e da rotina, comemorar os dias de descanso, lamentar o recomeço das atividades… e tudo isso num loop infinito.

Para vivermos melhor precisamos da estranheza do aleatório, precisamos aceitar a força do acaso e deixar de programar, medir e calcular cada passo que damos. Claro, estou falando isso sendo eu mesmo um reflexo da burocracia que está em mim e que me leva a encarar a vida como um empreendimento. Mas sou consciente do meu erro e quero acreditar que essa consciência, por mais insignificante que possa parecer, já é um início de mudança e libertação. Tem que ser.

Ilustração de Ana Yael