Saber existir

Quando perdemos alguém próximo a nós, sentimos, mais do que em qualquer outro momento da vida, a presença da sensação de incapacidade, pois é impossível agir diante de algo que está para além da nossa vontade. Ainda assim, penso, como escreveu Epicuro, que não devemos temer a morte como se ela fosse essencialmente algo ruim. Afinal, nesse tipo de situação aprendemos a ser mais humildes, mais conscientes de nós mesmos e também mais afeitos a compreender as pessoas que nos cercam.

A linha que separa a vida da morte é tão tênue, que às vezes é razoável supor que ela sequer exista. Nunca esperamos que a realidade nos deixe, pelo simples fato de que toda a nossa percepção da existência se resume à vida que possuímos. Também por isso não devemos temer a não existência. Sendo algo essencialmente distinto da única coisa que conhecemos, a morte é (e sempre será) um mistério indecifrável. Parte da beleza de ser um ser humano está justamente nisso: estar consciente de sua finitude e entender, com o tempo, que é preciso fazer tudo valer a pena.

Mais do que isso, saber existir é entender que ninguém deixa a vida de forma absoluta. Continuamos vivendo nas memórias de outras pessoas, nos traços de personalidade que legamos a quem nos conheceu, nas ideias que compartilhamos. Como disse antes, talvez a linha que separa a vida da morte seja só uma ilusão. Apenas continuamos.

Par de botas (1886). Pintura de Vincent Van Gogh.

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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