O existencialismo e nós mesmos
O existencialismo é uma das correntes filosóficas mais conhecidas. Isso se não for, efetivamente, a mais destacada (ou mais famosa, caso optemos por essa distinção) dentre todas aquelas que surgiram na profusão de teorias e propostas decorrentes da passagem da modernidade para a contemporaneidade.
No século XX a filosofia se tornou moda principalmente pela associação que se estabeleceu entre o existencialismo e os movimentos estudantis e de contra cultura que surgiram nos anos 1960 e 1970. De fato, diante de outras doutrinas mais técnicas e com propostas mais próximas da hermenêutica, como a fenomenologia ou a filosofia analítica, o existencialismo parecia dialogar mais de perto com as pessoas e seus anseios por um mundo diferente. Sem falar na identificação decorrente do fato de que os livros de Sartre, falando sobre angústia, vida e liberdade, despontaram para o público justamente depois da Segunda Guerra Mundial, momento em que se procurava resgatar um sentido para a existência ao mesmo tempo em que muitos enxergavam na vida apenas o absurdo e o senso de urgência de uma sociedade que nos exige praticamente tudo sem que tenhamos nenhuma garantia de prêmio ou sucesso.
Sartre também foi feliz no fato de que fez, como nenhum outro filósofo antes dele, a transição de conceitos e ideias filosóficas para dentro da literatura e do teatro. Existiram, obviamente, outros autores que realizaram esse vínculo entre as letras e os conceitos filosóficos, alguns certamente com mais talento do que Sartre, como Rousseau e Voltaire, por exemplo. Mas eles viviam em outro tempo, e seu público era diminuto em comparação com a massa de pessoas que, no século XX, ansiavam por uma filosofia para chamar de sua.
Em essência o existencialismo é mais uma doutrina ética do que metafísica, ainda que, seguindo o que ocorre desde Platão, seja ainda muito difícil separar uma coisa da outra (apesar de Maquiavel, apesar de Nietzsche). Sartre teve como influência crucial para a elaboração da teoria o seu contemporâneo Heidegger, a quem chamou de existencialista em “O existencialismo é um humanismo”. Importante dizer, contudo, que Heidegger negou essa associação e preferiu seguir como filósofo da fenomenologia, apontando mais possibilidades de distanciamento do que de aproximação entre as duas correntes. Outra referência foi o dinamarquês Kierkegaard, que Sartre considerava o pai do existencialismo por sua identificação do problema da angústia como centro da investigação filosófica e condição para uma existência autêntica.
Muitas frases de Sartre como “nós somos o que fazemos do que fazem de nós”, “o inferno são os outros” e “estamos condenados à liberdade” se tornaram tão populares durante o século XX quanto sucessos de música pop. E nada disso pode ser utilizado para depreciar o autor de “O ser e o nada”. Sartre sabia escrever com seriedade sem perder de vista a possibilidade de popularizar suas ideias. Foi o primeiro filósofo realmente midiático e favoreceu a disseminação da filosofia para além dos espaços acadêmicos.
O existencialismo discute o absurdo da existência e sua popularidade se deve provavelmente ao fato de que percebemos esse absurdo em nossas próprias vidas. Isso, claro, sem menosprezar o talento de Jean-Paul Sartre, Albert Camus, Gabriel Marcel, Karl Jaspers e tantos outros que se alinharam ao existencialismo e defenderam a ideia de que, mesmo aceitando a condição conflituosa da existência, devemos viver a vida com responsabilidade e dignidade, com a autoconsciência de quem acredita que adquire uma essência apenas após o nascimento, dando a si mesmo um caminho que é único e, por isso mesmo, belo e pleno.