O desespero de ter que existir para os outros

Sobre o livro “A filha perdida”, de Elena Ferrante

Faz pouco tempo que eu escrevi sobre as minhas impressões iniciais do livro “A filha perdida”, de Elena Ferrante. Naquele momento eu esperava muito pouco do livro, mas já gostava do estilo da autora e do clima da narrativa. Hoje terminei a leitura, e preciso dizer que é um livro que precisa ser lido.

Não quero dar uma impressão errada aqui e também não vou dar spoilers da história, mas o fato é que são poucos os acontecimentos em “A filha perdida”. Assim, são as reflexões e lembranças da protagonista que dão o ritmo do livro, ao mesmo tempo em que colocam o leitor contra a parede. Não sei se existem verdades que não devem ser ditas. Se existir algum tipo de acordo velado nesses termos, Elena Ferrante não se importa, e um monte de verdades, feias, intensas, vergonhosas, caem das páginas.

A filha perdida” é um livro em que todos se reconhecem, mas as mulheres certamente se enxergam aqui com mais intensidade. Afinal, é o dilema entre a maternidade e a experiência de ser uma mulher às voltas com seus desejos, dores e medos que está em jogo. Elena Ferrante não fala de um universo idílico. Pelo contrário, é nos sentimentos mais cotidianos e pueris que ela nos mostra a dor de se ver e se sentir em uma família. Viver para o outro, pelo outro, é uma dor permanente, que não passa ou se arranca simplesmente. Este livro, então, nos prova que todos nós (pais, mães e filhos) somos seres incompletos, sofrendo a incompletude de nunca agradar, de nunca fazer o suficiente, de nunca bastar aos outros e muito menos a si. Se encarar no espelho nem sempre é bom, e é essa a sensação que eu tive com esse livro: de olhar o que não devia e depois perceber que era apenas eu mesmo.