Lathe biosas
É natural querermos mais atenção do que o necessário. Ao buscarmos esse tipo de popularidade, talvez sem intenção, acabamos também destruindo a possibilidade de uma vida mais tranquila, mais serena. Junte-se a isso o fato de que nunca nos satisfazemos com o que temos e pronto, temos diante de nós a receita da infelicidade — ou pelo menos do descontentamento. Mas então, qual é o caminho para a felicidade?
Os filósofos helenistas defendiam a tese de que se deve viver de acordo com a natureza, buscando o mínimo possível, querendo o mínimo possível. Mas nós não queremos apenas vinho; demandamos o melhor, o mais caro, aquele que custa quase um salário mínimo no mais famoso restaurante da cidade. Não queremos apenas o reconhecimento daqueles que estão próximos a nós, mas buscamos a atenção de todos, a notoriedade, a fama. É verdade, vivemos em um mundo que nos empurra para esse tipo de excesso. E, também por isso, é difícil resistir a esse estilo de vida. Mas não podemos abdicar da nossa responsabilidade nesse processo. Ainda somos nós que escolhemos viver desse jeito ou daquele, mesmo que influenciados por determinafdas circunstâncias.
Agora, viver de acordo com a natureza é outra coisa. É buscar o prazer na própria vida. Curiosamente, a doutrina que defende a busca pelo prazer (o hedonismo) ganhou outro sentido no mundo moderno, como se fosse a perseguição pelo excesso. Isso, na verdade, é o oposto do que defendia Epicuro, que acreditava que o maior prazer decorria do conhecimento e que a virtude é algo que se aprende. Viver de acordo com a natureza, portanto, não implica necessariamente em abandonar os atributos que nos diferem dos outros animais1. Somos seres racionais, utilizamos a lógica, produzimos meios de tornar a vida mais agradável e, ainda assim, podemos viver de acordo com a natureza, perseguindo aquilo que é essencial a uma vida tranquila, cuidando da ética, do bem-estar e da sabedoria.
Inusitado é pensar que esse movimento aconteceu justamente com a destruição da democracia grega e do que ela representava no mundo antigo. Tanto Platão quanto Aristóteles eram críticos à democracia, ainda que cada um tivesse seus próprios motivos. Mas é bem provável que boa parte dos gregos se orgulhassem justamente daquilo que os faziam únicos, fosse a democracia (no caso dos atenienses) ou o código de conduta (para falar dos espartanos). Por isso, quando Alexandre Magno unificou o mundo antigo aos seus pés, a concepção nacionalista que fazia com que os gregos se considerassem pessoas mais dignas do que todos os outros se desfez no ar. Cada um, a partir daquele momento, se via como um indivíduo cujas ideias nem sempre encontravam conforto na percepção do que era a vida em comunidade. E assim as pessoas começaram a cuidar de suas próprias vidas (e não dos interesses do Estado), buscando em doutrinas o caminho para viver bem, com alguma alegria e sem grandes perturbações. Os cínicos, estóicos e epicuristas chamavam alguém que pensava assim de cosmopolita, um cidadão do mundo, alguém que procurava a ordenação da vida dentro de si mesmo e, claro, na natureza.
Epicuro, o filósofo helenista que mais admiro (ainda que eu me considere um tanto estóico na maior parte do tempo), acreditava que além de superarmos o medo da morte, o medo dos deuses e a busca por prazeres indevidos, parte da receita para a possível felicidade era não chamar atenção demais para si. Viva oculto, dizia Epicuro. Desapareça ou apareça o mínimo possível. Agora pense no mundo de hoje, na visibilidade que queremos ter, nas discussões nas redes sociais, no foco que procuramos atrair para o nosso cotidiano. Faz sentido acreditarmos que é mesmo melhor viver assim, com tanta gente nos vigiando? Viva oculto, a felicidade não está em ser visto por todo mundo.
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Sim, há o caso de Diógenes, o cão, aquele filósofo que era conhecido como um Sócrates louco e que pregava que deveríamos buscar a vida natural no seu limite. Essa doutrina, conhecida em sua época como cinismo, não representa o todo da filosofia helenística, e certamente destoa do essencial no pensamento de Epicuro. ↩