Humanos

Fazer qualquer coisa com raiva é ruim porque te faz pensar que você é melhor dos que os outros, ou que sabe mais do que os outros sobre alguma coisa (mas ninguém pode saber nada com certeza, por mais contraditório que seja isso). Durante algum tempo pensei que tudo o que eu deveria fazer, eu deveria fazer no calor do momento, explorando o que eu sentia e o que pensava. Mas não acho mais que essa seja uma atitude interessante; ser você mesmo o tempo todo, explorando e espalhando os seus sentimentos, é arriscado demais.

Hoje eu penso assim: no impulso eu devo dizer a mim mesmo (e só a mim) as coisas que acho que devo dizer, devo escrever textos que só eu vou ler, devo fazer rabiscos e músicas ruins com as quais só eu vou sofrer. O que eu devo mostrar para os outros — se é que eu devo mesmo mostrar alguma coisa — precisa ser algo diferente, mais refletido, processado, maquiado, para que eu pareça menos eu e mais algo que faça sentido.

Seria fantástico viver em um mundo em que cada um pudesse se mostrar exatamente como é, encontrando como retribuição a atenção, a empatia e cordialidade dos outros. Mas não vivemos em um mundo assim. E já nem sei se vale a pena lutar por algo desse jeito, tão irreal, tão ideal, tão contrário a ser um ser humano.

Colagem de Pedro Aires.