Quando estava na graduação me indicaram o livro “Como se faz uma tese” do Umberto Eco. No Brasil utilizamos a palavra tese no contexto do Doutorado, mas na Itália esse termo se aplica para os trabalhos de conclusão de curso como um todo. Logo no início do livro, Eco faz um alerta para o público da obra: é um livro apenas para aqueles que estejam, de fato, interessados em pesquisar e produzir conhecimento. Todos os outros — aqueles que só querem o diploma, por exemplo — não deveriam ler o livro. Para estes, Umberto Eco indica que comprem ou copiem a tese de alguém. Essa provocação, que assusta num primeiro momento, revela a real intenção do autor: estabelecer um diálogo com o seu público mostrando que o processo da escrita (e da leitura) sempre envolve comprometimento.
E é esse mesmo espírito que encontrei no livro “Confissões de Um Jovem Romancista”, também do Umberto Eco. Esse não é um livro técnico com dicas para escritores, mas um relato de um dos escritores mais lidos e discutidos dos últimos 30 e poucos anos (“O Nome da Rosa”, seu primeiro e principal livro, foi publicado em 1980). O que o autor nos mostra em suas confissões é que o espírito acadêmico, de comprometimento e investigação, existe também no escritor e no leitor de ficção, quando estes se unem através do diálogo imposto pelo texto:
Não pertenço àquela laia de maus escritores que dizem escrever apenas para si mesmos. As únicas coisas que os autores escrevem para si próprios são listas de compras, que os ajudam a lembrar-se do que precisam adquirir, e podem ser descartadas. Tudo o mais, incluindo o rol de roupas para lavar, são mensagens endereçadas a outrem. Não são monólogos, mas diálogos. (ECO, Umberto. Confissões de um Jovem Romancista)
Os processos do leitor e do escritor são distintos, pois estão em tempos e espaços diferentes; mas ainda assim próximos, dado que ambos produzem juntos a trajetória da obra, dando significado à mesma.
Ler não é uma atividade passiva como se pode imaginar, pois exige disposição e criatividade. O bom escritor não faz sozinho um bom livro, já que se escreve sempre para alguém. É verdade que o escritor não tem o leitor sempre em mente, mas também é verdade que o livro só se completa quando encontra as mãos do leitor. E isso não diminui o trabalho e a importância da escrita — como afirma Umberto Eco. O que ocorre é justamente o contrário, pois esse entrelace mostra que o escritor estabelece constantemente diálogos não só com seus personagens, mas com todos nós.
Ilustração do Sketchbook de Chris Riddell