Escola em tempo integral
Nesse ano de campanha política a expressão que mais ouvi até agora foi escola em tempo integral. A proposta alardeada de maneira praticamente unânime pela maioria dos candidatos a cargos eletivos não leva em consideração o papel que está se atribuindo à escola. O que é, exatamente, que se busca com uma escola de tempo integral? Uma educação mais adequada, efetiva e significativa, ou simplesmente um lugar mais seguro para os estudantes ficarem durante o dia, enquanto os pais estão fora?
Se tem uma coisa com a qual as instituições de ensino podem se comprometer é com a transmissão de conhecimento, nada mais. Trabalhar com valores, formar caráter, criar cidadãos conscientes, são todas coisas importantes e louváveis, mas que não são missão nem competência direta da escola - ainda que todos esses temas possam e devam ser discutidos também na escola. O caráter, por exemplo, é estabelecido a partir do ambiente familiar e da relação deste ambiente com o resto do mundo. Transferir a missão da educação moral de forma integral para a escola é um erro. E achar que a escola de tempo integral vai resolver todos os nossos problemas também.
Esse modelo de escola, se focado na transmissão do conhecimento historicamente produzido, pode render bons frutos. E, sim, é possível contribuir com a formação de nossos estudantes levando-os a refletir de forma séria sobre questões ligadas à moralidade e à cidadania, mas sem nenhuma garantia de gerar cidadãos mais éticos só por terem mais aulas1.
Transferir a experiência da vida familiar e afetiva para a escola, transformando a escola de tempo integral em um ambiente tão acolhedor quanto a sua própria casa - ouvi um candidato dizer isso - pode fazer muita gente acreditar que o que se transfere é também a responsabilidade da criação dessas crianças e adolescentes. Mas espero que eu esteja errado. Afinal, todo mundo sabe que escola é só escola, e não casa.
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Se uma aula de ética pudesse tornar automaticamente alguém ético, seria simples: colocávamos todos os políticos corruptos em uma sala de aula com 60h de aula de ética e pronto, tudo resolvido. Mas você sabe que não é assim, não é mesmo? ↩
Marcos Ramon
Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | ArquivoRelacionados
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