Disposição para realizar
Clay Shirky é um dos autores mais interessantes para se ler quando o tema é mídias sociais. Diferentemente de muitos escritores que ressaltam o lado catastrófico e agressivo das tecnologias digitais e da internet em nossas vidas, Shirky observa o poder do aprimoramento da vida por meio da tecnologia. Por exemplo, no livro “A cultura da participação: Criatividade e generosidade no mundo conectado” (um livro já tinha lido e estou relendo agora), ele afirma:
Embora a internet já tenha quarenta anos, e a web metade dessa idade, algumas pessoas ainda estão perplexas com o fato de que membros individuais da sociedade, antes felizes em passar a maior parte do seu tempo livre consumindo, comecem voluntariamente a fazer e a compartilhar coisas (Shirky, A cultura da participação)
Na internet nós acabamos por ressaltar e observar com mais força o comportamento dos haters, dos trolls e dos disseminadores de notícias falsas. Contudo, a maior parte da web está povoada de gente doando o seu tempo e conhecimento (ei, olha eu aqui, por exemplo) para compartilhar coisas que acreditam serem relevantes: reflexões sobre assuntos gerais, informações sobre eventos, divulgação de produtos culturais etc. Todos os dias, eu tenho certeza, você encontra dezenas de pessoas dedicando algum tempo (pode ser pouco, não importa) para criar e/ou compartilhar algo interessante e relevante para os outros. Nem tudo atinge a todos, obviamente, e nem é esse o objetivo das mídias sociais, mas as pessoas alcançadas certamente compreendem e aceitam de bom grado essa possibilidade de doação e colaboração diária.
Nós sentimos prazer em fazer coisas boas, em disseminar ideias importantes, em criar algo de que nos orgulhamos e que podemos dividir com outras pessoas. A internet permite que os amadores ocupem espaços que antes pertenciam apenas a grandes empreendimentos e corporações. Essas empresas ainda estão fazendo seus negócios e gerando lucros — não tão grandes quanto na época de Thriller, certamente, mas o suficiente para continuarem enriquecendo — , mas isso não impede que continuem surgindo pessoas interessadas em entregar gratuitamente suas músicas, textos, podcasts ou até mesmo a sua capacidade de filtrar, selecionar e difundir informações, notícias e arte.
O que Shirky mostra em “A cultura da participação” (e em outros livros) é que, apesar da abundância de informações e produtos trazer o problema parcial da qualidade (“ A crescente liberdade para publicar reduz a qualidade média — como poderia não reduzir?”, afirma Shirky), o que ganhamos como recompensa é algo muito mais importante e vital: conquistamos o direito de nos colocarmos como agentes diretos do conhecimento, estimulando e permitindo que pessoas comuns, como nós, possam fazer algo criativo e transformador. Esse não é um mundo ideal (acho que nunca teremos um), mas de forma alguma é um mundo terrível para se viver. Todas as sociedades anteriores sonharam com o poder de disseminação da informação e do conhecimento que possuímos hoje. O que precisamos é entender como podemos aproveitar da melhor forma essas conquistas.
Marcos Ramon
Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | ArquivoRelacionados
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