Hoje, organizando material para as minhas aulas e pensando nas coisas que preciso fazer, me dei conta de uma das coisas mais interessantes do ensino: estar em contato com pessoas que querem aprender e descobrir coisas novas. Mas parece estranho eu dizer isso, e por dois motivos:
- Existe uma visão comum, meio institucionalizada, principalmente no Ensino Médio, de que os estudantes não querem aprender;
- Não devia ser óbvio que eles estão lá para aprender e descobrir coisas novas?
Um motivo contradiz o outro e mostra como o ambiente acadêmico ainda está repleto de perplexidades. Pensando no 1, preciso ressaltar que existem realmente estudantes que não querem aprender — ou que não demonstram interesse em aprender. Mas cabe aqui uma reflexão também sobre o que ensinamos na escola, sobre os métodos que utilizamos e os caminhos adotados para tornar tudo isso algo interessante e motivador. Sobre o 2 vale dizer que não é tão óbvio assim que o ambiente educacional tem a ver com aprendizado, nem mesmo para os professores.
Para muita gente, educação formal tem relação apenas com metas e objetivos. Se conseguir ultrapassar determinadas barreiras e chegar no ponto almejado (o certificado de Ensino Médio, a aprovação no vestibular, o diploma de Mestrado, o que for), então você zerou o jogo acadêmico — ou pelo menos algumas fases dele. Como você vê, nesse jeito de pensar a educação há uma ausência de preocupação com o aprendizado. Pra quem pensa assim, se você aprender muita coisa no Ensino Médio e não passar no vestibular, você fracassou. Se você pesquisar coisas incríveis e conseguir entender melhor o mundo e a si, mas não der conta de escrever a dissertação de Mestrado, você fracassou. Aprender nem sempre é parte da ideia de ensino, pelo menos para um grande número de pessoas.
Dito isto, volto ao tema inicial: o gosto por aprender e descobrir coisas novas. Na maior parte do tempo, me sinto incapaz de auxiliar as pessoas a encontrarem um caminho de interesse, mas de vez em quando isso acontece. E não é por mágica ou acaso, mas pelo simples fato de eu conseguir chegar no tema que encanta alguém. Todos nós temos algo que nos encanta, que nos ajuda a encontrar motivação, mas esse algo não é o mesmo para todos (pensa aí em quantas pessoas que você conhece que gostam exatamente das mesmas coisas que você). Daí o problema do ensino acadêmico: queremos ensinar as mesmas coisas para pessoas muito diferentes, ao mesmo tempo. E, pressupondo que todos deveriam aprender tudo do mesmo jeito, destacamos alguns estudantes como competentes e outros como nem tanto. Mas isso não é verdade.
Os estudantes com os quais convivo no Ensino Médio são, no geral, muito inteligentes e cheios de interesse, mas não aquilo que eu tenho que ensinar, não aquilo que está determinado para cada um deles aprender. Não vejo jeito de mudar isso pela minha vontade, mas fico feliz quando percebo que alguém se interessou por um livro, uma ideia, uma palavra, uma história… Que modificações esse compartilhamento de experiências pode fazer na vida dessas pessoas, é impossível prever. Mas quero acreditar que coisas boas ainda acontecem a partir de uma aula. E só de imaginar que por conta de algo que falei alguém vai entender melhor as coisas e pensar mais sobre elas, já me sinto privilegiado por poder ser professor.
Ilustração de Nhung Le