Recentemente o podcast Mamilos, apresentado por Juliana Wallauer e Cris Bartis, começou uma iniciativa bem bacana de oferecer, além do programa no formato de áudio, uma transcrição com tudo o que foi dito em cada episódio.
Essa ideia foi colocada em prática a partir do Mamilos 58 - Acessibilidade e o tema em questão tem, naturalmente, tudo a ver com essa iniciativa. Mas o mais bacana - pelo menos pra mim - é que esse processo de transcrição é feito de forma colaborativa, por ouvintes do programa. Eu mesmo colaborei com a transcrição do episódio 59 e achei a experiência fantástica, tanto por poder colaborar para que mais pessoas possam ter acesso a algo que eu admiro, como por me ver parte de um grupo de pessoas anônimas e heterogêneas cooperando para um mesmo fim. Lembro que comecei a transcrever a minha parte do arquivo disponibilizado no sábado pela manhã e no domingo já estava tudo pronto, 1h30 de programa de áudio. É incrível. Algo que só poderia ser viabilizado pela tecnologia digital (internet, programas de edição de texto colaborativos). Sem esse tipo de tecnologia esse processo seria inviável ou demoraria muito. Mas o principal aqui não é a tecnologia e sim o fato de que existem pessoas que entendem que dedicar um pouco do seu tempo vale a pena, que acreditam que podem fazer algo - ainda que pequeno - para possibilitar o acesso ao conhecimento para outras pessoas.
Clay Shirky, o autor de Lá vem todo mundo - o poder de organizar sem organizações, defende sempre a ideia de que a maior parte das pessoas tem o ímpeto para o trabalho coletivo, mas, como não enxergam formas efetivas e significativas de contribuir, acabam se fechando em seus próprios mundos. A tecnologia digital e suas ferramentas não nos tornam, necessariamente, pessoas melhores, mas nos dão os meios para externalizarmos desejos e propósitos que a maioria de nós possui. E isso vale, claro, para o bem e para o mal. No lado do bem, que é o que me interessa discutir aqui, fica a possibilidade da doação voluntária do tempo, da inteligência, da criatividade.
Na maior parte de nossas vidas nós encaramos o trabalho como algo opressor e torturante (e se a gente pensar que a palavra “trabalho” vem de um instrumento de tortura - tripalium, em latim - a coisa toda faz bastante sentido), mas isso só ocorre porque não nos reconhecemos naquilo que fazemos, e assim o tempo empregado vira tempo perdido e a vontade de viver e criar se esgota em um desejo simples de ir embora. Quando contribuímos com algo que acreditamos, contudo, a coisa é diferente. E essa iniciativa do podcast Mamilos - que simboliza aqui pra mim um pouco do que é a cultura do fã e o engajamento promovido nesse contexto - mostra isso.
Pois bem, participando da transcrição de um dos episódios notei outra coisa interessante: era agora possível fazer uma análise mais detalhada do conteúdo do podcast Mamilos. Quando temos apenas o áudio, o trabalho de análise de dados é muito mais difícil, mas quando esse áudio já foi transcrito é possível verificar correspondências entre os termos e os contextos de conversação dentro do programa. Isso viabiliza uma forma de ver o podcast e a discussão presente nele. Eu, por exemplo, dificilmente escuto um podcast com mais de uma hora de duração de uma vez só. Eu escuto um pouco em um dia, um pouco em outro e assim por diante. Isso acaba diluindo, pra mim, a discussão e os contextos de conversação. A cada vez que retomo a audição eu me esforço para lembrar o que ocorreu antes, mas o problema é que a velocidade da informação falada é muito maior do que a minha capacidade de coordenar os conceitos e a estrutura do que é dito - considerando que ainda tenho que lembrar o que foi falado na parte que ouvi no dia anterior. E é aqui que entra a importância das redes de conexão.
A partir do episódio transcrito eu consegui montar uma rede de conexões entre os participantes do programa e os principais temas e conceitos abordados. Para fazer isso eu utilizei o Gephi e fiz uma seleção de conceitos e termos que eram mais recorrentes na conversação. Essa seleção envolve, naturalmente, uma subjetividade, e se outras pessoas fizessem esse mesmo exercício provavelmente o grafo que vou mostrar mais adiante seria um pouco diferente. De qualquer forma, acredito que, no geral, essa estrutura mínima corresponde de maneira bem fiel à tônica do programa analisado - que, nesse caso, foi o episódio 59 - Super Tuesday e Monólogo do Oscar.
O grafo que produzi foi o seguinte:
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Como disse antes, a rede de conexões mostra os participantes do bloco central do programa (são os nós em laranja) e as conexões entre eles e os principais temas/conceitos abordados. Para facilitar a visualização, dividi os conceitos mais próximos por cores e é possível ver onde a discussão teve mais fôlego e como os conceitos se relacionaram. Não deixei todas as informações no grafo, porque era coisa demais e isso iria prejudicar a visualização dos termos_,_ mas considere o fato de que cada nó (cada pontinho no grafo) representa um tema/conceito diferente. Além disso, quanto maior o nó, mais importante ou recorrente ele foi na conversação.
Outra coisa que achei interessante de fazer, para comparar com o grafo acima, foi uma nuvem de palavras, com os conceitos mais recorrentes. Para isso utilizei o Tagxedo:
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Também aqui foi necessária uma edição, pois termos/palavras como “coisa”, “tipo” e “cara”, precisavam ficar de fora. No geral, o resultado pareceu similar ao do grafo, com a discussão sobre a política norte-americana predominando sobre a discussão do Oscar (ainda que os dois temas tenham sido debatidos de forma relacionada no episódio).
Claro que esse é apenas um exercício, um novo jeito de olhar para um produto cultural. O que me interessa aqui, como objeto de pesquisa que pretendo continuar desenvolvendo, é pensar a transformação do discurso falado em escrito, em conjunto com a representação desse discurso. Afinal, uma coisa é escrever e ler o que você escreveu; você mede as palavras, escolhe os conceitos etc. Agora, falar e ver a sua fala transformada em texto é uma experiência totalmente diferente. E é isso que quero pesquisar daqui pra frente.