O podcast é uma mídia que está crescendo bastante. Em outubro se comemora o dia do podcast no Brasil e escrevi um texto analisando alguns dados sobre o engajamento dos produtores e consumidores da mídia, mas aqui o que eu quero fazer é uma reflexão sobre o que significa o podcast pra mim, em conjunto com algumas indicações (bem pessoais, óbvio) de bons episódios que ouvi neste ano.
Diante de tanta coisa que temos na internet, tantos textos, memes, vídeos, gifs etc., acho que o podcast é interessante porque exige ainda um mínimo de desprendimento de outras coisas que você está fazendo para que você possa aproveitá-lo. Claro que cada um escuta podcast de um jeito: no carro, lavando louça, caminhando, no ônibus ou o que for; mas, diferentemente de uma timeline infinita em que você pode ficar passando os olhos por horas sem necessariamente assimilar nada, para ouvir e entender o que está sendo dito em um podcast você precisa estar um pouco concentrado e disposto a refletir sobre algo. Se o podcast já nos trouxesse só isso, já teríamos um exercício fantástico, mas tem mais.
É possível aprender muita coisa ouvindo podcast. E existe podcast sobre todo tipo de tema, com muitas possibilidades de abordagens. Infelizmente ainda temos poucas experimentações em relação ao formato dos podcasts no Brasil e a maioria deles se parece com uma conversa entre amigos sobre um tema qualquer. Mas qual é o problema com esse formato? Bem, o problema não é o formato em si, mas como se costuma trabalhar com ele. Pra mim, um podcast de bate-papo geralmente acaba se parecendo com uma dessas duas coisas:
- A conversa de um grupo que está na mesa ao lado da sua;
- Uma “mesa redonda” de um evento acadêmico.
O primeiro exemplo pra mim é “ok”. É escutar um lero-lero despretensioso, que pode até ser divertido ou interessante. O voyeurismo é parte inegável da natureza humana e acho que muitos podcasts ganham ouvintes justamente por darem a impressão de que você está ali, se aproximando da intimidade dos outros. Mas o segundo exemplo, o da “mesa redonda” acadêmica é o mais terrível pra mim. Existem poucas coisas tão improdutivas quanto um encontro acadêmico em que várias pessoas falam sobre o seu ponto de vista, tentando apenas vencer o debate — mesmo quando o que está em jogo não é derrotar ninguém. No final, é como assistir a uma exibição de egos inflados. E o problema não é com a questão acadêmica, que é o meu meio — afinal, eu sou professor — mas com esse tipo de emulação da vida acadêmica que geralmente não serve pra nada (mais pra frente eu vou mencionar um exemplo de como a questão acadêmica pode ser melhor aproveitada). Ah, e no caso dos podcasts existe ainda um agravante, que é o fato de se ter definido implicitamente que a coisa toda tem que ser divertida — mas não tem. E aí você tem que aguentar uma exposição de egos com pitadas de humor forçado. Não vale o meu tempo.
A gente vive em uma época em que todos querem falar e esse tipo de podcast se alinha com a maior parte das pessoas justamente por isso. Cada um fica tentando se identificar com um participante e tomando partido na conversa. Todo mundo acha que tem muito pra dizer, mas a verdade é que a gente não precisa de mais blablabla de opinião. O que a gente precisa, na minha opinião, é reaprender o gosto pelo ouvir. E é por isso que os podcasts que eu mais aprecio — independentemente de ter um participante ou mais — são aqueles que não fazem simplesmente esse jogo de apresentação de opiniões, mas sim em que se apresenta uma perspectiva de reflexão sobre algum assunto.
Se fosse pra comparar isso com algo fora do podcast eu compararia com um seminário. Mas não aquele que provavelmente fizeram com você na escola ou na graduação. Se o seminário que fizeram com você era o professor dividindo textos e/ou temas entre grupos e colocando os estudantes pra falar sobre esses assuntos, saiba que isso não é um seminário. Isso é “dividir textos e/ou temas entre grupos e colocar os estudantes pra falar sobre esses assuntos”. Um seminário, como o nome dá a entender, tem o propósito de semear ideias e, de verdade, deveria funcionar assim: um especialista falando sobre um tema para estimular o desenvolvimento de outras pesquisas sobre aquele tópico. Qualquer podcast que se aproxime desse tipo de proposta me interessa, assim como gosto de todo podcast experimental, que me surpreende com possibilidades diferentes de exploração do áudio.
Mas então todo mundo deveria produzir podcasts assim? Claro que não.
Vou dizer aqui o óbvio que muita gente mais engajada do que eu no universo dos podcasts já falou antes: cada um faz podcast e/ou escuta o que quiser, do jeito que quiser. Não tem verdade absoluta em relação à isso.
Mas… (sempre tem um “mas”, né?) quando eu digo tudo isso é porque enxergo no podcast a possibilidade do resgate de algo que eu sinto muita falta. Eu sou velho, sou do tempo do fanzine, de quando eu recebia carta todos os dias e ficava horas elaborando estratégias pra economizar com xerox e selo. O fanzine era pra mim um exemplo definitivo do que uma cultura independente era possível: milhares de pessoas cedendo seu tempo e disposição para produzir e comunicar conhecimento sobre música, poesia, cinema etc, pelo simples prazer de criar coisas novas e compartilhar outros discursos, diferentes daqueles da mídia massiva.
Mas veio a internet e todas as facilidades que você já conhece e um pouco desse brilho da cena independente se perdeu pra mim. Quando conheci os podcasts me veio uma sensação boa de resgate da produção independente. É bem verdade que essa produção nunca deixou realmente de existir, mas ela acaba sumindo no meio dos memes, das discussões estúpidas, das informações sobre os próximos blockbusters.
O podcast pareceu pra mim, inicialmente, um espaço em que cada um poderia falar o que quisesse com a verdade e a paixão que suportasse. Mas daí acabei percebendo que a maioria dos criadores de podcasts querem, na verdade, se tornar um veículo de mídia à maneira tradicional, conquistando fãs que são clientes/consumidores, atraindo anunciantes, gerando renda etc. E antes que você me acuse de fascista eu volto ao que já disse antes: não tem nada de errado nisso. Cada um escolhe o seu caminho na vida e se tem pessoas que aceitam pagar o seu preço, então faça o que você quer. Não ligue pra gente que pensa como eu, gente que acredita que as utopias, apesar de inúteis, são necessárias.
Então, não, podcast não tem que ser sobre cultura independente e promover uma produção cultural fora do eixo das grandes empresas. Mas, sim, são os podcasts que vão nessa linha que mais me encantam, apesar de eu ouvir outras coisas e me interessar por muita coisa que está focada no consumo e na mídia tradicional.
Agora, se você me aguentou até aqui, as minhas indicações: nos exemplos que vou mencionar aqui não me interessa muito o formato, o tema ou a quantidade de participantes, mas sim se a perspectiva é de possibilitar um ganho em termos de reflexão. Muitos podcasts fazem isso — até mesmo alguns daqueles que são mais preocupados com publicidade— e aqui eu apresento pra você uma lista com alguns episódios de podcasts brasileiros que eu gostei de ter ouvido em 2015. Não são, necessariamente, os melhores episódios de podcast do ano, mas são alguns dos que mais me interessaram pelos motivos que tento explicar aqui:
Cronologia do Acaso: Cinema sem causa #04 - Respire
Por quê?: Eu estava pesquisando sobre teoria do caos, complexidade e acaso e acabei chegando no blog do Emerson Teixeira e, especificamente, neste episódio, fantástico!, em que ele fala sobre um filme francês de 2014 e reflete sobre o significado da juventude. O Emerson tem um dom incrível pra comunicação. Ele prende o ouvinte e se apresenta sempre como alguém que tem algo sincero pra dizer. É um jovem que já tem uns mil de anos de compreensão sobre o ser humano. Tenho aprendido muito ouvindo o Cronologia do Acaso.
Papotência: #04 Ensaio — Filosofia de Coxia
Por quê?: O papotência é um podcast sobre teatro que está, acho, parado. Nesse episódio que indico o Varlei Xavier nos leva, em um ótimo estilo de reportagem, a um ensaio de um grupo de teatro estudantil. Sou professor e toda e qualquer iniciativa que ajuda a mobilizar a realidade dos estudantes e da comunidade me interessa. Esse episódio me emocionou com os relatos, as propostas e a simplicidade com me senti parte daquele mundo.
Por quê?: O Vladimir Campos é um cara com muita experiência na área de tecnologia e faz um podcast ultra simples, sem muita edição, sem música de fundo, sem vinheta, sem nada, ou melhor, com tudo o que ele tem pra dizer. Muitos episódios do VCP e do Diário de um Elefante (o outro podcast dele) são no estilo “how-to” com dicas de aplicativos etc., mas o Vladimir sempre faz questão de propor reflexões interessantíssimas de quem vive a internet e suas possibilidades com uma paixão e responsabilidade gigantes. Nesse episódio ele fala sobre algo aparentemente óbvio , mas que parece que ainda não assimilamos direito: privacidade e segurança.
Por quê?: Dessa minha lista esse é o podcast mais midiático, digamos assim. Lembra que eu falei lá em cima que não é o formato que é o mais importante e que às vezes um podcast no estilo bate-papo pode ser bem mais do que só um monte de opinião? Então, o Iradex é isso. Um podcast extremamente competente, carregado no sotaque do Ceará e com participantes com um conhecimento absurdo sobre cultura (em todas as suas vertentes). Nesse episódio me chamou a atenção principalmente a indicação do “Casa das Estrelas” e a verdade e a paixão com que eles falam sobre o livro e sobre o jeito como as crianças enxergam o mundo.
Poeiracast: #259 — Os melhores discos de 1965
Por quê?: Se você gosta de música, e principalmente de rock, você precisa ouvir o Poeiracast. A edição não é sensacional, tem som de moto, buzina, de porta batendo, mas tem também os caras mais eruditos que eu já ouvi falando sobre rock. O grande problema é acompanhar a quantidade de referências que eles mencionam sem considerar que os ouvintes são apenas pessoas normais e não, necessariamente, loucos de verdade por música. Esse episódio, dentre tantos outros, é incrível por indicar os melhores discos de 50 anos atrás. Sensacional.
Café Brasil: #455 —Bohemian Rhapsody Revisitada
Por quê?: Bohemian Rhapsody, do Queen, é uma das músicas favoritas do meu filho, que está com 6 anos. E esse já é um motivo gigante pra eu ter me emocionado com esse episódio em que o Luciano Pires destrincha cada parte da música (a letra, a guitarra, os vocais etc) com um nível incrível de detalhamento. Um primor de edição e sensibilidade nessa reedição de um episódio de 2011 do Café Brasil.
Alguns bônus
Vou deixar aqui algumas dicas rápidas de outros podcasts bacanas que descobri nesse ano, mas sem indicar um episódio específico:
- Taverna do fim do mundo: um podcast sobre literatura com ótimas reflexões sobre os livros e sobre o universo da leitura.
- Filosofia Pop: entrevistas com especialistas em diversas áreas da Filosofia. Destaco, especialmente, os episódios sobre outras vertentes da Filosofia que não a grega (Filosofia africana, japonesa etc.)
- A voz de Delirium: depois eu deixei de gostar e não escuto mais esse podcast ficcional. Mas a experiência de ouvir aquele primeiro episódio tão estranho e grotesco é algo que vale a minha indicação.
- Mamilos: temas polêmicos podem ser apenas temas polêmicos, mas quando tratados de forma séria, possibilitam novos modos de pensar e entender a realidade.
- Écouter Paris: experimentações com sons na cidade de Paris. Para audiófilos.
- On being: entrevistas e reflexões maravilhosas sobre a vida e sobre todas as implicações que envolvem a nossa existência.
Bem, é isso. Espero que as minhas reflexões e indicações sejam úteis de alguma forma para você. Eu não disse isso até aqui, mas eu também faço podcasts (Ficções, com narrativas filosóficas, e o Soma, com experimentações sonoras). Você pode conseguir mais informações sobre eles aqui ou no meu blog, em que escrevo sobre diversos assuntos.