Quando penso em todas as coisas que tento fazer, em todas as obrigações que tenho, vejo que não há outra forma de existir senão sendo uma, duas ou mais pessoas ao mesmo tempo.
Rousseau escreveu que escolhemos usar máscaras sociais para suportar a vida, ao mesmo tempo em que alimentamos nosso amor-próprio. Para ele, a invenção da vida social implicou na valorização da opinião dos outros sobre nós, o que fez surgir o sentimento de amor-próprio — uma consequência da saída do estado de natureza.
No estado de natureza, o ser humano era movido pelo amor de si, um sentimento de autopreservação simples e instintivo. No entanto, ao entrar na sociedade, passamos a depender do olhar do outro para nos definir, e essa necessidade de reconhecimento deu origem a um amor-próprio complexo e frágil, constantemente alimentado pela aceitação alheia.
Para reforçar esse amor-próprio, adotamos comportamentos muitas vezes contrários aos nossos sentimentos, na esperança de conseguirmos a aprovação dos outros. Criamos personagens, ajustamos nossas falas e gestos, aprendemos a desempenhar papéis que nos garantam pertencimento.
Acredito que parte desse esforço se justifica também pela necessidade que temos de criar diferentes versões de nós mesmos para atender aos papéis sociais que precisamos exercer. No meu caso: o pai, o marido, o vizinho, o professor etc. São tantos eus e tantas diferenças entre eles (e tantas mudanças ao longo do tempo) que não sei dizer direito quem sou sem uma dessas máscaras. Se Rousseau estiver certo, talvez nem haja um "eu" puro e autêntico por trás delas — apenas diferentes formas de existir em função do olhar do outro.
No final, será que é isso mesmo? Não existimos sem uma das máscaras que escolhemos (ou somos forçados) a usar? Ou será que, ao aceitar essa fragmentação, encontramos alguma forma de ser inteiros?
The Mysteries Of The Horizon, de René Magritte