A maior derrota que se pode ter

Nos comportamos, durante a maior parte de nossas vidas, como personagens. Rousseau relatou como ninguém a infâmia e a angústia de vivermos em uma sociedade consumidos quase que inteiramente por nossas máscaras. O mais curioso disso, contudo, é o fato de que insistimos na ideia de que a arte imita a vida, quando muitas vezes o que acontece é exatamente o oposto: a realidade absurda, o nonsense do cotidiano.

Os artistas, dizemos, buscam criar seus personagens com a maior autenticidade possível. Mas eles se parecem com quem? Com pessoas vivas? Ou parecem vivos justamente porque a nossa realidade já é, por si só, um tipo de ficção? Nunca tentei escrever um romance — não tenho esse senso de verdade — mas imagino a dor que deve sentir um escritor imbuído na construção de seus personagens, tentando parir seres que não apenas pareçam pessoas, mas sejam realmente pessoas; e tão fortes, incapazes e imperfeitos quanto qualquer um que você encontra na padaria ou na banca de revistas.

Somos personagens de nós mesmos e aprendemos isso desde cedo. Alguns (aqueles que se olham mais) entendem a confusão que é a vida e forçam o texto dramático do cotidiano até o limite. Outros, mais aptos à loucura da comédia, se deixam levar pelo desconexo e pela incerteza. Estando conscientes do que somos, nada disso é um problema. O problema — se existir algo assim em uma vida que se projeta objetivamente pro nada — é esquecer de si mesmo, entregando ao vento as falas que deveriam ser suas e se vendo cobrado por uma péssima, ridícula atuação de si mesmo. Cada um é protagonista das suas pequenezas. Mas, ao contrário do que poderia parecer, devemos lutar por essa insignificância, já ela é a única coisa que realmente nos pertence, a única coisa sobre a qual temos total responsabilidade. Perder isso, perder essa consciência de si, é, definitivamente, a maior derrota que se pode ter.

Ilustração de Dalbert.