Uma Black Friday pra chamar de sua

Esses dias estava conversando com minha esposa, e a gente especulava sobre o que iríamos comprar na Black Friday: “Vamos pensar, tem que ter alguma coisa”.

Sem dúvida, comprar algo com desconto e economizar um pouco não é nada mal. Mas procurar algo para consumir só para não perder a oportunidade de economizar 5% não parece muito racional. Não é novidade, infelizmente, que a maior parte das nossas decisões não é mesmo racional, mesmo quando queremos nos convencer do contrário. Só que, além disso, o que é importante neste momento em que vivemos, é que o consumismo atingiu um nível de detalhe que beira o absurdo.

Uma pesquisa recente afirma que 89% dos brasileiros pretende fazer compras na Black Friday. E é importante notar que a Black Friday não se refere necessariamente a uma sexta-feira, mas a um mês inteiro de estímulo ao consumo. Tanto é assim que 47% das pessoas afirmam que aproveitarão as promoções durante o mês todo, e não apenas no dia oficial. A importância (e o absurdo) dessa data, se evidencia pra mim no fato de que a TV aberta tem um programa dedicado exclusivamente a promoções de Black Friday.

Isso me lembra que o consumo, por si só, já é uma forma de entretenimento. Em “A Estetização do Mundo”, Gilles Lipovetsky e Jean Serroy argumentam que o consumo se transformou em uma espécie de relação do indivíduo consigo mesmo, em um mundo onde nos frustramos com a falta de sentido e as insatisfações do cotidiano. Sim, sempre houve infortúnios — e sempre houve tentativas de fuga — mas o consumo é mais eficiente, mais rápido e mais interessante para quem está do outro lado da ponta, lucrando com a ilusão de desejo satisfeito por um novo perfume, celular ou peça de roupa. Ao mesmo tempo, não podemos esquecer que nos habituamos a consumir o ato de comprar como algo que parece fazer sentido por si só. Basta ver o tempo que perdemos no YouTube ou no Instagram observando pessoas mostrando e experimentando produtos. O impacto desse tipo de prática na nossa psique é difícil de dimensionar, mas certamente seguimos por um caminho sem volta.

Enquanto escrevo, a televisão está ligada, e todas as propagandas no intervalo do jornal falam de Black Friday. Talvez fosse melhor fingir que não quero nada, desligar a TV, parar de acessar o celular. Mas quem consegue fazer isso?

Na última edição do Oscar, Jimmy Kimmel disse que Christopher Nolan não tem smartphone, não usa e-mail e escreve seus roteiros em um computador sem conexão com a internet. Ouvindo aquilo, pensei: “Quão rica uma pessoa tem que ser para ter o luxo de não ter um smartphone?”. Sim, porque, se ele não tem smartphone nem usa e-mail, é porque pode pagar pessoas para terem celular e serem incomodadas 24 horas por dia fazendo a vida dele funcionar. Eu não tenho esse luxo; você que me lê, provavelmente também não.

Da mesma forma, quanto dinheiro uma pessoa precisa ter para não se importar com a Black Friday? Eu não posso não me importar. Simples assim.

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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