Interesse pelo feio

É difícil imaginar que alguém deliberadamente escolha algo feio para admirar. Por outro lado, a percepção da beleza e da feiúra envolve, senão a total relatividade, pelo menos alguma particularidade. Não vemos as mesmas coisas como belas ou feias. Aquela ideia do belo como algo que agrada universalmente e da relação entre prazer/beleza e desprazer/feiúra não funciona tão bem na vida prática. Em muitos momentos é o estranho, o feio, que agrada. E como entender? Tem que entender?

Por muito tempo, principalmente na arte mais tradicional e atrelada aos valores da época, a questão do feio foi quase um tabu. Chegou-se com isso ao extremo da associação errônea entre estética e beleza, como se só fôssemos sensíveis ao que é harmonioso. Mais ainda, passamos a identificar beleza e moralidade, gerando toda uma cultura de padronização dos corpos, gestos e vestimentas. Para demonstrar que temos um caráter bom, precisamos nos adequar ao modelo atual de beleza e agir de acordo com ele, sendo esse modelo, e não nós mesmos.

O século XX, contudo, implodiu, pelo menos em parte, essa homogeneização dos gostos e percepções. A arte passou a ser cada vez mais múltipla e as pessoas, pouco a pouco, também. Hoje vivemos o desafio de lutar pela convivência entre o nosso desejo de consumo — que nos leva, quase que inevitavelmente, a alguma padronização do gosto — e a nossa conquista de outros olhares e sensações. Mas se temos ainda muitas dificuldades para combater a padronização da sensibilidade e a moralização da aparência, temos também a possibilidade de vivermos em uma sociedade mais diversa e disposta a interesses destoantes; interesse pela beleza, pela harmonia e pelo prazer, mas também (e ainda bem) interesse pelo estranho, pelo confuso, pelo feio.

Cabeza (1982), obra de Jean-Michel Basquiat