Foi ainda antes da Universidade que eu descobri o Alberto Moravia. Eu ia muito às bibliotecas do Centro de São Luís e em alguma tarde puxei um livro dele da prateleira (ou alguém me indicou um, não lembro bem). Li muito ele por essa época. Nas bibliotecas encontrei os livros Desidéria, A Romana e A coisa e outros contos. Esse último, especialmente, me pareceu o mais interessante (os outros, aliás, eu nem me recordo. Sei que li, mas não lembro de nenhum detalhe).
O que faz eu lembrar e gostar de A coisa — a ponto de eu ter comprado uma cópia anos depois e não querer me desfazer dela de forma alguma — é, em primeiro lugar, o fato de eu ter achado o Moravia contista mais forte e curioso do que o romancista. Depois, esse livro me interessa porque os temas repetidos durante os contos, quase de maneira obsessiva, se conectam estranhamente, gerando um tipo de beleza que só aquilo que é esquisito consegue ter.
A memória, os sonhos, o diabo, o revólver, a sexualidade reprimida. Esses são os temas de A coisa e, de alguma forma, quero crer, os temas do próprio Moravia. Hoje, sem nenhum motivo específico, atentei para o fato de que tenho esse livro. Me levantei, fui até a estante, peguei o livro e o folheei. Encontrei essa passagem: “(…) o diabo pode fazer e deixar fazer tudo, menos o bem. E quem tem a ilusão de possuí-lo acaba abraçando o nada” (MORAVIA. O diabo não pode salvar o mundo. In: A coisa e outros contos). Algo de decisivo acontece quando pensamos sobre o destino e sobre o que significa decidir o que devemos fazer, como devemos fazer: o nada se manifesta em nossas dúvidas, em nossos temores. E não poderíamos viver de outra forma.