Saber a felicidade
Para Epicuro, a tarefa da filosofia é nos proporcionar uma vida feliz. Mas essa é uma forma curiosa de ver a filosofia e suas possibilidades, principalmente pelo fato de que, na atualidade, costumamos considerar o saber e a reflexão como empecilhos para uma vida tranquila. Afinal, tendemos a crer que pensar e refletir são atitudes que nos prenderão a um mundo de problemas constantes. Mas será que é assim mesmo?
Não penso que a ignorância seja preferível ao conhecimento, mesmo entendendo que, em muitos casos, a ausência de reflexão pode funcionar como uma forma de se esconder das dificuldades— que ainda vão estar lá, de qualquer forma.
Acho que muito da interpretação moderna que relaciona a ignorância com uma vida mais feliz, parte da ideia de que a felicidade é a completude ou, pior, a satisfação de todas as nossas necessidades. E como atualmente as nossas necessidades são incontáveis, principalmente por conta dos objetos de consumo e dos desejos artificiais que transformamos em sonhos e convicções, é realmente pouco provável que a reflexão nos ajude alcançar esse tipo de contentamento.
Contudo — e acho que que esse é o ponto central da questão — se felicidade for o reconhecimento das nossas limitações e capacidades, bem como uma atitude de consciência sobre as nossas ações, então a filosofia (e o saber em geral) pode nos auxiliar no caminho. Quando Epicuro estabeleceu a relação entre o conhecimento e a felicidade ele estava se referindo à possibilidade de termos uma vida autônoma, com autoconhecimento e reflexão. Hedonismo não é, como costumamos pensar, uma vida de deleites e prazeres infinitos, mas sim uma vida em que o prazer está na relação consigo e com os outros. O que Epicuro ensinava é que não existe objetivo mais possível e real para a vida humana do que compreender o que somos e como nos relacionamos com o mundo à nossa volta. E se é isso a felicidade, então ela pertence a todos nós.
Ilustração de María Ramos