Marcos Ramon

O senso comum de cada dia


Por muito tempo, foi natural considerarmos o conhecimento científico como um símbolo de algo que deveríamos perseguir. Contudo, em pleno século XXI, entramos em um processo de descrença da ciência e valorização exacerbada do senso comum. Isso é um perigo, pelos motivos óbvios. Quando desconfiamos exageradamente da ciência (porque, sim, precisamos desconfiar dela, como de tudo o mais) deixamos de entender determinados aspectos da realidade e de nos preparar para o que está por vir. Por exemplo: existem pessoas que permitem que seus filhos peguem doenças antes controladas por desacreditarem de vacinas. Outras aceitam argumentos questionáveis contra alopatia e não buscam tratamento contra o câncer. Existem até aqueles que não acreditam mais em eclipses.

Tudo isso nos faz pensar no mal do senso comum. Mas talvez não seja o senso comum o problema. Se a ciência é um tipo de saber organizado e sistematizado, é bem verdade que as teorias conspiratórias e negacionistas do cientificismo também o são. Aliás, em muitos casos existe muito estudo para fazer com que as pessoas acreditem naquilo que é indefensável. Tanto é assim, que um dos tópicos de pesquisa mais insistentes da última década é tentar entender a ciência por detrás da descrença na ciência. Já o senso comum é outra coisa. Trata-se de um saber espontâneo, não-organizado, mas que não é sinônimo de mentira ou mau-caratismo. Em boa parte das situações do cotidiano, utilizamos o senso comum, e não a ciência. Diante de vários problemas que a realidade nos apresenta, respondemos apenas com as ferramentas que possuímos: o conhecimento adquirido pela experiência de vida, e alguma intuição. Desacreditar da verdade – ou desistir de buscá-la – é negar a ciência, e pronto, não tem nada a ver com um saber do cotidiano.

Quando desconfiamos das provas, dos métodos, dos experimentos… não estamos adotando o ponto de vista do senso comum, pois este não é, deliberadamente, contra nenhuma dessas coisas. Muitas pessoas que não conhecem as respostas científicas para determinadas questões (e, portanto, usam o senso comum ao debater esses assuntos), ficam muito felizes quando entendem melhor esses problemas pelas lentes da ciência. Mas como todos nós fazemos parte do senso comum em alguma medida1, tentar desacreditar a ciência como se esse comportamento fosse natural a todos nós é extremamente interessante para os conspiradores. Mas o fazer científico é simples, como atesta a definição oferecida por Alan Chalmers:

O conhecimento científico é conhecimento confiável porque é conhecimento provado objetivamente. (O que é ciência, afinal?, Alan Chalmers)

Mesmo assim, é fato que a ciência tem seus erros. Por isso, a questione e não aceite qualquer resposta como correta. Contudo, a possibilidade da falha no saber acadêmico não deve ser desculpa para buscarmos o seu oposto. E na dúvida, prefira o senso comum ao negacionismo do conhecimento – esse não nos traz vantagem alguma.

Cartoon de Sidney Harris

  1. O físico Niels Bohr, por exemplo, tinha uma ferradura em sua porta, por superstição. 

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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