Marcos Ramon

O conhecimento obsoleto


Nos últimos tempos temos o desafio (sim, todos nós) de encarar a realidade a partir da ideia de que o conhecimento não é — ou não parece — essencial na vida de boa parte das pessoas. Acredito que não é a maioria que pensa assim. No entanto, cada vez mais se vê gente questionando o valor do conhecimento e julgando a ciência e as humanidades como áreas que não merecem atenção. Veja, não estou dizendo que as pessoas estão questionando as características, proposições ou argumentos de determinada pesquisa ou processo cultural — isso seria positivo. O que muita gente questiona hoje é o conhecimento em si.

Tenho visto, inclusive nas aulas (um ambiente em que o conhecimento é o que está em jogo), as certezas no nível da opinião flutuando por cima das características do que já foi produzido, pensado, debatido. Quem é jovem tem, naturalmente, um espírito questionador. Mas, independentemente da idade, o bom questionamento é aquele que parte de dois pontos: 1) a compreensão do que é dito pelo interlocutor; e 2) a capacidade de construir um argumento coerente com o tema discutido. Nada disso vale mais. Qualquer pessoa hoje se sente autorizada a discordar de pesquisadores, escritores e estudiosos, sem utilizar referências, sem entendimento do que foi dito e sem reflexão suficiente sobre o tema. Basta dizer: “eu não acho que é assim”, e pronto, a mágica está feita. O debate se encerra e cada um fica fechado nas próprias opiniões.

Mais uma vez, não acho que esse é o posicionamento da maioria. Nas minhas aulas, por exemplo, sinto que muitos estudantes adotam uma postura questionadora, mas também consciente dos caminhos pelos quais as boas perguntas têm espaço no processo de construção do conhecimento. Enfim, o que se busca não é a mera destruição das ideias. Ainda assim, o avanço do obscurantismo é evidente. Não só nas redes sociais, a terra de ninguém em que todo tipo de desatenção e desconexão com a realidade ganha espaço, mas também nas instituições de ensino. Quando quem está no lugar de aprender não dá mais valor à importância do que pode ser aprendido, é porque a experiência com o conhecimento já está em risco. Por isso, é preciso atenção e cuidado, e continuar produzindo, pesquisando, insistindo. O pior que poderia acontecer com quem valoriza o saber é ser vencido pelo cansaço, o cansaço de quem não quer ter que falar o óbvio. Não siga esse caminho. Dizer o simples, o evidente, nunca foi tão necessário.

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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