Marcos Ramon

A hora e a vez do podcast


Decidi, nas últimas semanas, diminuir o ritmo de publicações do Ficções. Faço o podcast desde 2014 e já falei várias vezes sobre como gosto da mídia e de produzir o podcast, mesmo que o trabalho nele me tire o tempo que eu poderia dedicar a outras coisas. E aí, ouvindo o Anticast 391 sobre o desenvolvimento do podcast no Brasil, fiquei pensando em como é incrível o momento em que estamos na mídia, com tantas oportunidades, tantas possibilidades. Mas que não são pra mim.

Por vários motivos o Ficções não parece ser o tipo de podcast que vai deixar de ser apenas um produto de nicho. Ainda que eu tenha número bons para um podcast independente, o programa que faço é — e sinto que sempre será — um podcast com alcance real limitado, o que não é necessariamente uma coisa ruim. Quando comecei a escrever em blogs, fazia aquilo porque queria compartilhar ideias e imaginava que alguém poderia gostar de ler o que eu tinha para dizer. Com o podcast foi a mesma coisa. Mas por algum motivo eu acabei achando, no meio do caminho, que o podcast poderia ser algo mais do que apenas esse processo de produzir algo de maneira despretensiosa e sem muita expectativa. Hoje vejo que foi um erro acreditar nessa mentira que eu contei pra mim mesmo. Me esforcei, dentro dos meus limites, para fazer mais do que podia só para mostrar que conseguia. Sinceramente, fui além do que era razoável.

Assim, acho que diminuir o ritmo de publicações é algo justo comigo e com os ouvintes. Vou continuar fazendo podcast principalmente para utilizá-los no meu trabalho educacional e estou escrevendo um projeto de pós-doutorado para estudar essa relação entre a mídia e o processo de ensino-aprendizagem. Acho que também isso vai me dar força pra continuar produzindo de forma mais ampla, para além do materiais complementares à sala de aula. Mas num ritmo menor, adequado ao meu lugar no âmbito do podcast e de acordo com as minhas reais condições de produção.

O panorama geral

Esse é o ano do podcast (qual ano não é?) e isso significa que os grandes players entraram no mercado, começaram a produzir coisas de um modo que eu nunca conseguiria, atingindo um público que é inimaginável pra mim. E isso não é uma reclamação. Como ouvinte, essa é a melhor época para conhecer e consumir esse tipo de mídia. Mas como produtor independente eu me vejo esmagado e cada vez mais invizibilizado; não por culpa de quem produz podcast, mas por uma circunstância da regulação natural do mercado. Da mesma forma que o fanzine nos anos 1990 deixou de ser uma mídia independente relevante1, o podcast independente vai em breve se transformar no que é hoje o fanzine: uma curiosidade cult, um produto bônus que não faz mais sentido em si mesmo.

De verdade, isso é bom. Tem muita gente bacana trabalhando e vivendo de fazer e produzir podcast e isso só é possível com a profissionalização do mercado e a natural exclusão de quem não faz parte do jogo principal. Não existe utopia aqui, como em quase nada nas sociedades modernas. A tecnologia digital é apenas uma extensão da indústria cultural e, como tal, segue o seu próprio fluxo. Imaginar que todos na mídia vão crescer juntos é ingenuidade ou autoengano. O melhor dos mundos possíveis no universo dos podcasts é vermos pessoas ganhando dinheiro e trabalhando seriamente com a mídia. E já estamos chegando nesse ponto aqui no Brasil. Na prática, isso significa que um grupo restrito de pessoas vão se profissionalizar, vão entregar conteúdos mais bem produzidos, vão fechar contratos de exclusividade para publicar programas apenas em plataformas específicas e vão tornar, inevitavelmente, os podcasts independentes irrelevantes2 (do ponto de vista mercadológico). E, nesse cenário, o mais sensato pra mim é produzir menos, bem menos.

Menos quantidade (e alguma serenidade)

Assumindo meu lugar nesse processo, vejo que o mais honesto a fazer é continuar produzindo com menos regularidade, e principalmente como complemento para o meu trabalho de sala de aula — o que, no meu caso, é o que mais importa. Pra quem gosta das minhas opiniões e reflexões sobre assuntos diversos, estou retomando o hábito de escrever no meu blog. Sempre me vi como escritor e pesquisador, e essa ideia de tentar me reinventar como podcaster parece agora quase ridícula. Me esforcei muito para fazer algo que nunca consegui fazer da maneira como imaginava que deveria, e nesse processo me preocupei muito mais com a quantidade do que com a qualidade dos episódios. Parte disso vem de uma ideia fixa que tenho em relação a criar algo todos os dias. Mas como nem toda atividade criativa precisava vir a público, a verdade é que isso tem mais a ver como uma vontade de ter reconhecimento pelo que consigo fazer, mesmo sem tantos motivos pra isso. E não estou sendo autodeprecioativo aqui. Sei que o que eu produzi tem algum valor e já recebi muitos relatos de pessoas que tinham no Ficções um ponto importante de diálogo. Aliás, se vale a pena continuar, é pensando nessas possibilidades de encontros de ideias, o que não me exime de entender as minhas limitações e dificuldades.

Obrigado mesmo a você que me ouviu até aqui. Foi realmente muito animador sentir que as coisas que eu faço importam e que o que eu digo é relevante para outras pessoas. Mas a vida é mais do que essa vaidade que eu sinto e que me move a continuar fazendo o podcast. Em algum momento, novos episódios do Ficções vão chegar, mas não sei quando. Agora, por exemplo, não tenho a menor vontade de gravar. Já falei demais. Acho que agora é hora de ouvir, e escrever.

  1. E eu falo isso com propriedade porque, por muito tempo, antes de entrar na Universidade, fazer fanzine era a coisa que mais me animava. E eu me dediquei muito, mas muito mesmo, a esse tipo de produção. Quantos zines, xerox, colagens, cartas e selos de um centavo passaram por mim… E hoje, nada disso existe mais. 

  2. Por uma dessas coincidências bizarras que acabam acontecendo, comecei a ver uma discussão recente sobre produção de podcasts justamente agora que decidi publicar esse texto. Se você está por fora, o Cris Dias resumiu bem a questão nesse texto. Enfim, eu já tinha começado a escrever o que coloco aqui bem antes do Twitter ficar inundado por essa polêmica e me parece que esse não é o melhor momento para eu ser mais um falando sobre produção de podcasts no Brasil. Assim, ainda que eu mencione algumas questões mais gerais, é importante ratificar que a proposta aqui é falar sobre o meu envolvimento com o podcast, em um texto mais direcionado a quem escuta o Ficções. Qualquer generalização é só isso mesmo. Nada demais. 

Marcos Ramon

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo
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Marcos Ramon / Professor de Filosofia, pesquisando estética e cibercultura.

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