O mal é um problema?

Uma discussão recorrente dentro da filosofia é a reflexão sobre o problema do mal. Digo “problema”, mas é preciso pontuar que, para muitos autores, não se trata de algo a que se pode recorrer com uma solução. Logo, a percepção de “problema” talvez não caiba aqui. Thomas Hobbes, por exemplo, quando afirma que a natureza humana é má por natureza, reconhece que, não podendo lutar contra quem somos, podemos pelo menos nos redimir criando artifícios para combater a nossa natureza. No caso dele, a proposta é a ideia do contrato social. O contrato, nas bases de um combate à maldade inata que prevalece em cada um, se instaura como uma possibilidade de uma vida menos dolorosa. Afinal, se “o homem é o lobo do homem”, abrir mão da liberdade e dos instintos egoístas torna a vida possível, ainda que com algum nível de sofrimento e privação.

Santo Agostinho, por outro lado, quando discute o tema do mal, tenta justificar a existência desse em consonância com a presença de um Deus bom e todo poderoso. A resposta, base para a teologia, é que o mal não possui um ser; logo, não é objeto da criação de Deus. É porque possuímos livre arbítrio que o mal se faz presente no mundo. Já Leibniz defendia que é compatível a ideia de que Deus exista e que ainda assim exista o mal, sendo este parte de um desígnio incompreensível para nós. Muitos filósofos do Iluminismo, dentre eles Voltaire, combatiam esta tese utilizando exemplos do sofrimento humano como fato irrefutável.

Por fim, o filósofo francês Paul Ricoeur discute essa questão considerando a desconfiança em relação ao mal como algo que devemos enfrentar. Como ele mesmo afirma, “crer em Deus, apesar do mal”, sendo esse “apesar de” uma condição de esperança para a vida humana. Nas palavras de Ricoeur:

O sofrimento só é um escândalo para quem compreende Deus como a fonte de tudo o que é bom na criação, inclusive a indignação contra o mal, a coragem de suportá-lo e o impulso de simpatia para com as vítimas; cremos então em Deus a despeito do mal (…). Crer em Deus, apesar de…, é uma das maneiras de integrar a aporia especulativa no trabalho de luto. (Paul Ricoeur, em “O mal, um desafio à Filosofia e à Teologia”)

Independente da forma como se compreende a questão, parece inevitável perceber o mal como uma condição da vida humana. Afinal, estamos sempre nos debatendo contra ele, seja nos outros ou em nós mesmos.

Ilustração de Cyril Rolando.

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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