Não quero saber

2024 foi um ano ruim.

Foram muitas coisas, e não vou fazer terapia aqui. Até porque, neste ano, eu de fato fui para a terapia e saí logo, porque foi horrível. Tanto que, se tivesse que responder hoje, eu diria que não faço mais de jeito nenhum (tomara que a minha irmã, que é psicóloga, não esteja lendo isso).

Eu estava falando hoje com a minha esposa que estou me tornando meio Schopenhauer: reclamando de tudo, achando tudo chato, me incomodando com as pessoas que não gostam das mesmas coisas que eu. É horrível se perceber assim. E acho que parte disso que está me afetando tem a ver com saber demais de tudo, o tempo todo.

Sim, é incrível estar vivo em uma época em que a gente tem acesso a tanta coisa, pode assistir a muitos filmes e séries, ouvir todo tipo de música, ler livro que não acaba mais e ter acesso a notícias do que acontece em todo lugar. Mas quem precisa mesmo disso?

Essa situação me lembra o conto de Borges, em que um homem sai em busca da imortalidade, a conquista e, depois, passa o resto da vida tentando morrer. Quando eu era criança, se alguém me perguntasse se eu queria ter acesso a tudo o que temos hoje, eu diria que sim. Agora, já não tenho tanta certeza.

Não quero saber do avião que caiu, da inundação terrível, dos detalhes da guerra, do cancelamento do escritor de quadrinhos, das tretas inúteis dos YouTubers e influencers, dos novos lançamentos do estilo de música que eu detesto. Não quero saber por que o dólar está tão alto, nem quero saber o preço da arroba do boi gordo. Não entender de tanta coisa que me angustia, saber de tanto sofrimento dos outros, nem me sentir mal por não ter a vida e as coisas legais que os outros têm.

Esses dias, recebi por e-mail uma retrospectiva do modo como acessei conteúdos da Globo (sim, isso existe). Descobri que, em 2024, cliquei em 1.767 posts do G1, acessei duas receitas de molho, cinco textos sobre novela, 916 publicações relacionadas ao Campeonato Brasileiro e 219 textos de política. Já deu. É demais. E isso nem inclui, obviamente, o tempo que investi em outros sites e redes sociais. Em 2025, quero menos informação.

Sendo professor, sei que isso parece um contrassenso. Afinal, eu deveria saber das coisas para, por exemplo, conectar a filosofia de Platão com alguma besteira inventada no Vale do Silício. Porque, senão, eu vou ensinar só o texto pelo texto, e a maioria dos estudantes mal consegue ler dois parágrafos hoje em dia (isso é muito triste, mas é meio assim mesmo, pra valer). Mas não sei se consigo encontrar um meio termo aqui.

Pior é que a vida que temos é tão integrada, e a informação circula tão bem, que este drama que relato aqui não é só meu. Como todas as pessoas, estou sabendo demais; como todas, estou cansado e sem perspectiva. Então, quero ao menos que este ano novo que está quase chegando nos traga força para resistirmos, para cuidarmos de nós, cuidarmos dos nossos.

Quero ter espaço na cabeça para pensar e desejar, mas por mim mesmo, sem algoritmos ou acumulação. Quero ter espaço para viver. Nesse próximo ano, te desejo o mesmo.

Untitled (Dada) por Hannah Höch, 1922

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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