Muita lógica para nada?

Muitas pessoas, ao longo da história, já esbravejaram contra a tentativa de racionalização e organização do pensamento por meio da lógica. Desde de Sócrates, que via os sofistas como um grupo que se aproveitava da argumentação para confundir o povo e distorcer a verdade, até o pós-modernos (que desacreditam da própria noção de verdade e da lógica), temos visto todo tipo de argumentação contra a argumentação. E dentre os muitos exemplos que existem nesse sentido, talvez uma das espirituosas seja essa frase de Dostoiévski:

O homem tem tal predileção por sistemas e deduções abstratas que está disposto a distorcer intencionalmente a verdade, a negar a evidência dos seus sentidos só para justificar sua lógica. (Dostoiévski)

Por mais que pareça estranho esse tipo de desapreço pelo racional, especialmente se o que nos define como seres humanos é justamente a capacidade organizar o pensamento, é importante considerar que a descrença na lógica decorre muitas vezes da observação do uso da racionalização para distorcer a realidade ou ganhar debates fingindo a verdade a que não se tem. Uma das coisas que Nietzsche criticava na filosofia era justamente a quantidade gigantesca de autores que, fingindo agir em nome da razão, lutavam impiedosamente para defender suas paixões. Nada de errado com as paixões, obviamente1, o problema é não assumir a real intenção da filosofia: se esconder atrás de argumentos lógicos apenas para convencer os leitores de crenças e desejos muito particulares.

Não acho que a lógica é um problema. Mas concordo que devemos ponderar sobre sua utilização, pensando especialmente sobre o fato de que, muitas vezes, a ausência de argumentos sistematizados pode trazer benefícios evidentes (e a arte é o melhor exemplo disso). Por outro lado, vale ponderar também sobre o fato de que a lógica por si só não é sinal de verdade. Afinal, um bom argumento é aquele que tem a forma correta, não o conteúdo. E quem estuda lógica (olha só a utilidade dela aqui) geralmente consegue perceber essa diferença.

Colleen Moore, no filme Ella Cinders (1926)

  1. Aliás, Nietzsche foi um dos autores que mais escreveu com a paixão no lugar da razão. 

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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