Her

Faz um tempo já que eu queria escrever algo sobre o filme Ela (Her, 2013, de Spike Jonze). De uma forma bem genérica dá pra dizer que o filme se trata de um cara que tem um relacionamento amoroso com um sistema operacional. Mas, por trás desse enredo extremista e absurdo, o filme aborda um cenário que já vivemos, de solidão, de apego aos objetos e falta de sentido nas relações humanas.

O personagem de Joaquin Phoenix é um escritor que redige cartas cursivas encomendadas. Mas ele não escreve as cartas manualmente. Na verdade, nem digitar ele digita. Ele narra o texto, que é transformado, no computador, em uma letra correspondente ao que se esperaria do cliente que fez a encomenda. Mas por que não escrever uma carta pessoalmente, por que encomendar a alguém? O mundo onde se passa Her parece um pouco com aquilo que está descrito em Admirável mundo novo: tudo caminha bem, mas as pessoas são um pouco menos pessoas. E a falta de se sentir mais humano faz as pessoas desejarem um pouco da realidade (no sentido de algo corpóreo mesmo) que já não conhecem mais.

Her, de Spike Jonze.

Pra mim, Her fala basicamente de saudade. Saudade de um mundo mais palpável (por isso as cartas com letras cursivas), de contato humano (por isso os sistemas operacionais que te entendem e te acordam de madrugada pra perguntar se você está bem), de uma vida menos controlada e funcional (daí o desagrado com o mundo em que aparentemente tudo está no lugar certo).

O filme é melancólico, apesar do final esperançoso. Mas é também um alerta para o mundo em que vivemos. Afinal, o que pensar de pessoas que ainda hoje gastam um dinheirão para comprar vinis e máquinas analógicas, além de toda a moda retrô que vigora atualmente? Por que gastar dinheiro com um aparelho de som com agulha quando se pode ouvir música em mp3? Pra quê gastar dinheiro com um filme 35 mm e se estressar tentando encontrar um lugar que revele suas fotos com qualidade, se podemos tirar fotos com o smartphone e publicar tudo imediatamente no Facebook? Eu acho que as pessoas fazem isso, dentre outras coisas, porque estão cansadas de tanta facilidade; estão cansadas de toda a imediatez da vida atual (afinal, muita gente já não aguenta mais ver seus amigos postando sua vida no Twitter ou colocando fotos de tudo no Instagram).

Eu sei, a gente sempre sonha com um mundo em que as coisas sejam mais simples, mais fáceis, então porque reclamar quando tudo caminha pra esse lado? Porque — como mostra Ela — é triste a gente perder a nossa humanidade pras máquinas; porque não queremos um mundo em que os objetos se tornam mais reais e sensíveis do que nós; porque a gente precisa do descompasso e do acaso pra aceitar que a vida, mesmo sem ter sentido nenhum, ainda pode ser vivida. E, sim, a vida precisa ser vivida por nós (usando também computadores, smartphones ou o que for), mas sem abrir mão de nossas imperfeições e problemas. A dificuldade de nos aceitarmos como seres humanos é o maior dilema de nossa época e Ela mostra que devemos realmente nos preocupar com isso.

Marcos Ramon

Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | Arquivo

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