Fazer só o que dá para fazer
Por esses dias decidi começar a fazer só o que dá pra fazer. Nada de exagerar nas obrigações, demandas ou extrapolação de horários; nada de abandonar o bom senso e me entregar à lógica de que a boa vida é aquela em que se trabalha até desmaiar. Vou seguir só o quanto consigo, sem me cobrar demais.
Parece o óbvio, mas não é tão simples. Vivemos em uma cultura que estimula o excesso de trabalho e o considera um símbolo de bom caráter. A pessoa que trabalha mais do que deve, que perde o sono, que deixa tudo de si para as tarefas que não podem ficar para depois… essa pessoa é considerada um exemplo, alguém com quem se quer dividir as tarefas, um pau pra toda obra. Mas, meu Deus, quem quer viver assim, sendo um amontado de ego e olheiras? Ninguém realmente quer. Mas muita gente cede a esse estilo de vida. Eu, por exemplo, sou assim (e por isso sei que tenho que mudar).
Eu me martirizo com a tarefa que era pra hoje e que vou ter que entregar amanhã. Perco o sono imaginando o que os outros vão pensar de mim. Me antecipo imaginando as expectativas que vou frustrar. E por pensar desse jeito, em geral o trabalho eu entrego em dia; daí o cansaço, a tristeza e a dor nas costas eu levo pra casa.
Quando eu penso agora no esforço para abandonar esse comportamento, entendo que esse não é um movimento simples. Tenho pensado que o desejo de fazer o trabalho certo e com rapidez tem pouco a ver com o valor do trabalho em si. A questão que move quem age da maneira como descrevi (pelo menos é assim que identifico isso no meu cotidiano) é a necessidade de reconhecimento e aprovação constantes; pura vaidade.
Não quero que as pessoas pensem mal de mim, não desejo que me culpem pelo prazo não cumprido, quero que me elogiem por ter dado o meu melhor — mesmo fingindo que os elogios não são necessários.
Trabalhar acima dos seus limites beneficia alguém ou algo, certamente. Chefes e empresas idolatram quem vive para o trabalho. Mas a tarefa passa, as coisas se resolvem e o tempo que derreteu no processo nunca mais volta. Mais vale parar, fazer um pouco de nada, deixar pra amanhã. Eu sei (porque preciso acreditar nisso pra existir de um jeito melhor) que não há de ser nada. Vou descansando, esperando, fazendo só o que dá.
Marcos Ramon
Professor no Instituto Federal de Brasília, pesquisando ensino, estética e cibercultura. Lattes | ORCID | ArquivoRelacionados
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